Velho Novo Mundo na África
Vinhos da África do Sul possuem muita história e atualmente tentam
resgatar o prestígio que tiveram séculos atrás
By Eduardo Milan, Revista Adega.
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" Se considerarmos o
"Velho Mundo" como sendo o continente europeu, os rótulos da África do
Sul são "novos". Entretanto, embora não seja exatamente de
conhecimento geral, fato é que os vinhos sul-africanos não são tão
"novos" assim. A relação da vitivinicultura com o país mais
meridional da África é longeva, pois, a região tem produzido vinhos há mais de
350 anos, quase há tanto tempo quanto algumas zonas europeias.
Localizado no extremo
sul do continente africano, o país historicamente serviu de posto de
abastecimento para os navios europeus que dobravam o Cabo da Boa Esperança em
direção às Índias. Com isso, nos idos de 1655, holandeses teriam levado as
primeiras mudas viníferas até o local. O médico holandês, Jan van Riebeeck, é
tido como o pai da vitivinicultura local. Aos 33 anos, ele imigrou para a
África do Sul para tratar e reduzir os riscos de escorbuto dos navegadores que
se aventuravam na longa viagem da Europa até o Oriente. Riebeeck teria sido o
responsável pela vinda e cultivo das tais mudas. Dados indicam que a primeira
safra de vinhos sul-africanos foi produzida em 1659. Um dos maiores impulsos à
atividade ocorreu por volta de 1688, com a chegada de protestantes franceses à
Cidade do Cabo, fugindo de perseguições religiosas. Esse grupo tinha
conhecimento e experiência na produção de vinhos, e acabou por colocar em
prática em seu "novo lar".
Todavia, o grande
marco da indústria vitivinícola sul-africana se deu a partir do surgimento do
"Vin de Constance". Um vinho de sobremesa, elaborado principalmente a
partir de uvas Muscat, distinguido por apresentar aromas doces de marmelada, pêssegos
maduros, nectarina e toques de crême brûlée, que se tornou muito prestigioso
nos séculos XVIII e XIX e apreciado por personalidades como Napoleão Bonaparte,
o rei Luís Felipe da França, além de toda a realeza britânica.
Com o passar do
tempo, o que se viu foi uma ampla expansão de vinhedos pelo país, acompanhada
por um aumento da produção de vinhos. Entretanto, esse crescimento se deu de
forma desordenada, fazendo com que o produto final perdesse qualidade.
Por
isso, em 1918, apoiados pelo governo, os produtores sul-africanos fundaram a
KWV - Kooperatiwe Winjnbouwers Vereniging (ou Associação Cooperativa de
Produtores de Vinho), que passou a regular toda a atividade, selecionando
cepas, impondo cotas de produção e fixando os preços. Toda a produção excedente
aos parâmetros determinados era destinada à destilação ou à produção de
fortificados. O que foi inicialmente benéfico para a indústria, acabou, com o
passar dos anos, por limitar a liberdade e a criatividade dos produtores,
afetando o progresso da própria vitivinicultura.
Somado a esse
"entrave burocrático", a reação do mundo ao regime do Apartheid, -
que determinou uma espécie de boicote comercial aos produtos da África do Sul -
gerou um período de obscuridade na atividade vitivinícola sul-africana. O cenário começou a
mudar a partir de 1991, com o fim do Apartheid e as consequentes reformas
políticas. Além disso, em 1997, a KWV foi privatizada e atualmente os
produtores trabalham de forma mais livre e animada. Pode-se afirmar, assim, que,
dona de um passado brilhante, a vitivinicultura sul-africana tem vivido nas
últimas décadas uma fase de significante renascimento.
Clima
e solo
Em geral, o clima na África do Sul pode ser considerado mediterrâneo. Na
verdade, ao contrário do que indicaria a latitude do país (entre os paralelos
22o e 35o), as temperaturas não são uniformemente quentes. Isso porque a região
sofre forte influência da Corrente de Benguela, que vem da Antártica e refresca
toda a área. Além disso, o chamado "Cape Doctor", corrente de ventos
frios vindos do sudeste - bastante comum no verão -, baixa as temperaturas do
interior do país, reduzindo também a umidade e o risco de incidência de fungos
nas videiras.
As áreas vinhedos
estendem-se pelos Cabos Ocidental e Setentrional, por aproximadamente 700
quilômetros de Norte a Sul e 500 quilômetros na faixa entre os oceanos
Atlântico e Índico. Dessa forma, as composições do solo variam tanto quanto as
paisagens locais. No distrito de Stellenbosch, há mais de 50 tipos de solo. Nas
áreas próximas a encostas, predominam os graníticos. Mais no interior, ao redor
de Robertson, verificam-se os calcários, semelhantes aos de Côte D'Or, na
Borgonha.
Variedades
As cepas brancas sempre predominaram sobre as tintas em matéria de cultivo na
África do Sul. Em 1996, essa supremacia era de impressionantes 80%. Entretanto,
impulsionado pela demanda do mercado internacional, aumentou-se o plantio de
uvas tintas, de modo que em 2009 estas já somavam 44% dos vinhedos cultivados.
A Cabernet Sauvignon
é a principal variedade tinta; é a mais plantada, dá origem tanto a varietais
quanto a elegantes blends de estilo bordalês, quando combinada a Merlot. Além
disso, destaca-se a Syrah. Mas, a uva emblemática da África do Sul é certamente
a Pinotage. Cruzamento de Pinot Noir e Cinsault, foi desenvolvida no próprio
país e raramente é encontrada em outro lugar do mundo.
Indústria do vinho sul-africano começou a renascer
depois do Apartheid
As principais áreas vinícolas da
África do Sul
Coastal Region
STELLENBOSCH DISTRICT
Stellenbosch District estende-se do interior da costa em Sommerset West até
as montanhas que rodeiam a cidade de Stellenbosch. Há tempos, a área é
reconhecida como o centro dos vinhos finos do país, pois lá estão localizados
o Oenological and Viticultural Research Institute (OVRI), a Universidade de
Enologia de Stellenbosch, além de vinhedos governamentais experimentais. O
clima local é bastante ideal, com ocorrência de chuvas no inverno e verões
amenos. Porém, seu diferencial reside na variedade de altitudes e tipos de
solos existentes. Em Stellenbosch, são produzidos vinhos de alta gama,
especialmente de Cabernet Sauvignon e Merlot, além de Syrah.
Em parcelas mais
frias, há ótimos rótulos de Sauvignon Blanc e Chardonnay.
Lá estão, ainda, muitas das principais vinícolas sulafricanas, tais
como: L'Avenir, Beyerskloof, De Toren, De Trafford, Neil Ellis, Ken
Forrester, Kannonkop, Meerlust, Rust-en-Vrede, Rustenberg, Saxenburg,
Simonsig, Stellenzitcht, Thelema, Vergelegen e Warwick.
PAARL DISTRICT
Fica localizado ao norte de Stellenbosch. Estando mais no interior, a região
sofre menor influência das correntes marítimas frias e as temperaturas
costumam ser elevadas no verão, verificando-se, entretanto, temperaturas mais
baixas durante a noite. Também tem grande variedade de altitudes e tipos de
solo. Nessa região, merecem destaque as vinícolas Fairview, Glen Carlou e
Nederburg.
CONSTANTIA WARD
Os vinhedos de Constantia Ward estão entre os mais antigos do país e são
geralmente resfriados por "Cape Doctor". A região carrega a
reputação de produzir ótimos Sauvignon Blanc. Em algumas áreas, é produzido
Vin de Constance, a partir da colheita tardia de uvas Muscat. Os principais
produtores de Constantia são Buitenverwatching, Groot Constantia, Klein
Constantia e Steenberg.
SWARTLAND DISTRICT
Localizada ao norte da Cidade do Cabo, Swartland costumava ser conhecida como
uma região produtora apenas de vinhos baratos. Atualmente, alguns dos
melhores Syrah e Chenin Blanc de vinhedos antigos vêm do local. Destacam-se
as vinícolas Lammershoek, Sadie Family Wines e Spice Root.
DURBANVILLE WARD
Pequena região agraciada pela incidência de ventos frios, Durbanville tem
apresentado bons Sauvignon Blanc. Merecem destaque: De Grendel, Durbanville
Hills e Meerendal.
TULBAGH DISTRICT
Localizada no extremo norte de Coastal Region, Tulbagh é quase completamente
rodeada por montanhas, condição que "aprisiona" o ar frio que desce
durante a noite. Por conta disso, a região tem construído uma boa reputação
na produção de brancos, especialmente espumantes. Os principais produtores de
Tulbagh são Rijk's Private Cellar, Saronsberg e Tulbagh Mountain.
Breede River Valley Region
WORCESTER DISTRICT
Localizado no extremo oeste de Breede River Valley, Worcester é um distrito
de clima quente e seco, onde a irrigação é essencial. A maior parte da
produção é baseada em Chenin Blanc e Colombard, sendo que uma grande parcela
do vinho destina-se à destilação. Ainda assim, de Worcester vem um grande
volume de vinhos de todos os estilos.
ROBERTSON DISTRICT
Assim como Worcester, em Robertson se produz grande volume de vinhos mais
simples. Entretanto, por apresentar clima mais frio e solo calcário, na
região também são feitos vinhos de melhor qualidade, como excelentes Syrah,
Chardonnay encorpados e Sauvignon Blanc com boas notas herbáceas. Merecem
destaque: Graham Beck, De Wetshof e Springfield.
Outras Regions, Districts e Wards
WALKER BAY DISTRICT
Seguindo a costa do país sentido leste, passando Cape Agulhas, chega-se a
Walker Bay, área onde se tem produzido alguns dos melhores Chardonnay e Pinot
Noir da África do Sul. Varietais de Sauvignon Blanc, Merlot e Syrah também
têm razoável sucesso. Os principais produtores de Walker Bay são Bouchard
Finlayson e Hamilton Russel Vineyards.
ELGIN DISTRICT
Ao norte de Walker Bay, Elgin é uma área de maior altitude - e portanto, mais
fria -, o que possibilita a produção de Sauvignon Blanc frescos e intensos.
Também merecem atenção alguns promissores Pinot Noir e Syrah.
ELIM WARD
Ao sul de Walker Bay está Elim Ward, região conhecida por Sauvignon Blanc
herbáceos e pungentes.
OLIFANTS RIVER REGION
Localizada mais ao norte do país, Olifants River é uma região de clima quente
e seco. Antigamente conhecida por vinhos destinados à destilação, atualmente
tem feito rótulos de boa relação qualidade-preço.
KLEIN KAROO REGION
Região com baixo índice pluviométrico e vinhedos com sistema de irrigação,
Klein Karoo é reconhecida pela produção de Brandy e vinhos de sobremesa,
embora apresente também bons Chenin Blanc.
FRANSCHOEK WAR
Franschoek é um belo e estreito vale a leste de Stellenbosch, polo da alta
gastronomia sul-africana. Em Franschoek estão muitas vinícolas de alta
qualidade e projetos ambiciosos. Destacam-se Boekenhoutskloof, Cape Chamonix
e La Motte.
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Dentre as brancas, o
maior destaque cabe à Chenin Blanc. Embora venha perdendo espaço nas áreas de
replantio, ainda hoje é a cepa mais cultivada no país - incluindo tintas e
brancas. Também muito cultivada é a Colombard, embora grande parte de seus
frutos se destine à produção de Brandy. A partir da Chardonnay, nas áreas mais
frias, tem-se obtido rótulos de alta qualidade. Além dessas, encontram-se
bastante Sauvignon Blanc e Muscat de Alexandria. Esta última se mostra capaz de
produzir ótimos vinhos de sobremesa, dentre eles os renovados Vin de Constance.
A viticultura
sul-africana evoluiu bastante nas últimas décadas graças à tecnologia aplicada
especialmente na formação das mudas de Vitis vinífera. De fato, a indústria do
país se utiliza de modernos sistemas de clonagem, produzindo cepas férteis,
livres de contaminações e bastante resistentes a pragas. Tanto é que a África
do Sul tem sido um dos maiores fornecedores de mudas para outros países do
mundo.
Chenin Blanc é a uva mais cultivada
Wine laws
Os vinhos da África do Sul submetem-se a uma legislação específica que prevê
uma série de denominações de origem. O chamado "Wine of Origin
Scheme" - WO - foi criado em 1973. Os vinhos que obtêm uma classificação
WO devem ostentar o selo correspondente em seus rótulos. Para obter a classificação,
o vinho deve ser submetido a um painel de degustação e atender aos seguintes
critérios:
- 100% das uvas utilizadas
devem vir da área correspondente à denominação específica;
- 85% das uvas devem vir da
safra estampada no rótulo;
- Para ser considerado varietal,
85% das uvas devem ser da cepa determinada.
As wine laws
sul-africanas reconhecem quatro tipos de denominações: Geographical Unit,
Region, District e Ward. Essas classificações variam de acordo com o tamanho e
características da área e não de acordo com qualquer parâmetro de hierarquia.
Nem todos os Districts são parte de uma Region, assim como nem todos os Wards
são parte de um District, por exemplo. Além dessas, a legislação prevê a
categoria Estate Wines.
Geographical Unit é a
mais abrangente das denominações e permite que sejam produzidos blends a partir
de uvas advindas de diferentes regiões e distritos. Por esse motivo, é
largamente utilizada por produtores até mesmo para seus rótulos de categoria
premium. Atualmente, a Geographical Unit de maior importância é Western Cape,
90% dos vinhos sul-africanos.
Regions são grandes
áreas que tendem a apresentar características geológicas predominantes. Em
Western Cape estão cinco Regions: Coastal Region, Breede River Valley, Olifants
River, Klein Karoo e Boberg (esta última apenas para vinhos fortificados).
Districts tratam-se de
áreas menores, cujas características ambientais exercem influência sobre o
estilo dos vinhos nelas produzidos. Por fim, os Wards compreendem áreas com
solo e geografia similares, que determinem a obtenção de um estilo de vinho bem
distinto.
Para obter a
denominação Estate Wine, um vinho deve ser produzido a partir de uvas de um
mesmo vinhedo, localizado em uma área geográfica específica. Ademais, deve ser
vinificado e engarrafado no local.
PINOTAGE
Impossível falar sobre os vinhos da África do Sul sem mencionar a uva
emblemática do país. De fato, a Pinotage pode ser considerada a contribuição
sul-africana para a história da Vitis vinífera. No intuito de adaptar a Pinot
Noir ao terroir do país, por volta de 1925, Abraham I. Pernold, professor da
Universidade de Stellenbosch, realizou um cruzamento entre Pinot Noir e
Cinsault - lá comumente chamada de Hermitage, daí o nome Pinotage. A ideia
era obter uma variedade híbrida que apresentasse o poder da Pinot Noir e a
rusticidade da Cinsault.
De forma geral, os vinhos produzidos a partir de Pinotage são ricos,
persistentes, bastante tintos, apresentam aromas exóticos e, por vezes,
rústicos, além de taninos marcantes, que costumam ser domados com um período
de envelhecimento em boa madeira.
Ainda hoje a Pinotage é pouco cultivada
fora da África do Sul. Brasil, Califórnia, Nova Zelândia e Zimbábue tem
pequenas áreas de vinhedos da uva.
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